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Trabalhar à margem do realismo - Vasco Viana em «Nação Valente»



Nação Valente fotografado por Vasco Viana e realizado por Carlos Conceição estreou em abril: Altura que teria sido mais apropriado para sair esta entrevista. Porém muitos afazeres de ambas as partes foi adiando. Mas lá vem o ditado - mais vale tarde do que nunca. E aqui reproduzimos felizmente a tempo a entrevista com o nosso membro Vasco Viana sobre o seu trabalho em «Nação Valente»


- O que te levou a decidir por aquele estilo fotográfico? Era aquele que melhor se aproximava do imaginário do realizador?


Trabalho com o Carlos há muitos anos. Juntos fizemos várias curtas e, por isso, fazia sentido continuar algumas coisas que já tínhamos ensaiado nessas outras aventuras.

A curta Coelho Mau foi um bom ponto de partida: nessa curta, finalmente tivemos um orçamento que nos permitiu ter tempo e recursos para construir imagens mais trabalhadas e estilizadas, bem como citar outros cinemas e definitivamente ultrapassar a luz estritamente motivada e naturalista. Foi dessa experiência, mais liberta de constrangimentos, que partimos para definir o que fazer com a fotografia do Nação Valente.




Nos filmes do Carlos, há claramente uma vontade de trabalhar à margem do realismo: desde a direcção de arte até à forma como é trabalhada a duração dos planos e a própria mise-en-scène. A maneira como o Carlos concretiza os seus guiões, abre bastante o leque de abordagens possíveis na direcção de fotografia.

Neste filme em particular houve uma intenção de reforçar o lado alegórico e simbólico de forma subtil.

Na verdade tive um primeiro instinto de querer trabalhar de forma mais arriscada - usando câmaras mais sensíveis à luz (à semelhança do que já tínhamos feito no Fio de Baba Escarlate) ou abrindo a paleta de cor (tendo como possivel referência Dario Argento e o Giallo italiano ) - mas acabei por optar por um desenho de luz mais discreto que não corresse o risco de datar o filme, e sobretudo não roubar o protagonismo ao trabalho de câmara e à mise-en-scène do Carlos.

Dei alguns passos atrás e ancorei-me num classicismo re-interpretado com perfumaria (como diria o Xein, o meu estimado chefe electricista). Um bom exemplo deste classicismo re-interpretado são os exteriores noite iluminados pela lua (ou a ideia dela), em que mantenho um desenho de luz bastante clássico mas fujo ao referencial quando troco a recorrente lua super azul dos anos oitenta por uma lua esverdeada e mortiça.

Muito devo ao excelente trabalho do Marco Amaral (colorista) que entre outras coisas conseguiu afinar essa “ lua morta”.


...acabei por optar por um desenho de luz mais discreto que não corresse

o risco de datar o filme, e sobretudo não roubar o protagonismo ao trabalho

de câmara e à mise-en-scène do Carlos.


Frame da curta-metragem Coelho Mau, «Outra das técnicas que trouxe do «Coelho Mau» foi trabalhar a luz dura recortada por folhagens ou elementos arquitectónicos, de forma a conseguir que os fundos ganhassem um carácter mais gráfico.»

Outra das técnicas que trouxe do «Coelho Mau» foi trabalhar a luz dura recortada por folhagens ou elementos arquitectónicos, de forma a conseguir que os fundos ganhassem um carácter mais gráfico. Essa procura de momentos gráficos também está ligado a um aspecto da minha relação com o Carlos, que não é só um cinéfilo enciclopédico e colecionista mas também um consumidor voraz de todo o tipo de livros, fotografias, cartazes, capas de álbuns obscuras, etc. Ir a casa dele implica ficarmos a conhecer a mais recente fotobiografia do Bowie ou a última edição da Criterion, com aqueles booklets apetitosos. Por isso, quando começamos a trabalhar num projecto novo, para mim é inevitável tentar direcionar a minha contribuição para desenhos de luz que consigam potenciar o carácter icónico e referencial das ideias do Carlos. A luz recortada, no contexto do meu trabalho com ele, tem ainda um outro encanto peculiar porque ela envolve os corpos, percorrendo-os, rimando com da relação tátil que sinto que o Carlos estabelece com os atores ao coreografar os seus planos sequência.


...Muito devo ao excelente trabalho do Marco Amaral (colorista)

que entre outras coisas conseguiu afinar essa “ lua morta”.


- Nota-se que muitos planos com os seres estranhos (não vamos revelar spoilers) seguem o género. Terias outra possibilidade sem ter que recorrer ao contraluz e a fumo?


Certamente poderíamos ter feito estas noites de outra maneira. Podíamos ter jogado, por exemplo, com uma luz mais lateral e ténue com menos "traço" mas o Carlos lançou-me o desafio de evocar alguns códigos visuais provenientes dos filmes de género de terror. Para isso, encontrámos inspiração no Tourneur, no Onibaba e em algumas coisas dos anos oitenta. Em parte dos exteriores noite, junto ao quartel, procurei também evocar uma atmosfera quase de estúdio, assumindo alguns fundos completamente escuros e uma luz que só ilumina dentro de alguns limites físicos óbvios.

- Filmaste em Angola uma grande parte ou só alguma pequena parte?


Filmamos a introdução em Angola, à volta do Lubango, numa semana e meia. O resto da rodagem foi no Campo de Tiro de Alcochete, que só esteve disponível durante um mês - o que se traduziu em quatro semanas e meia, seis dias por semana - foi uma grande tareia para todxs e a toda a equipa ficarei eternamente grato por este esforço titânico.


- Há constantes movimentos de câmara como foram feitos, o que que é usaste?


Este filme na cabeça do Carlos sempre foi pensado para usarmos muito a Pantera, mas em Angola não havia nenhuma disponível por isso chamamos o incrível Manu ( operador de Gimble) que é um mestre da suavidade e rigor no enquadramento. Essa qualidade que ele trouxe, fez com que a diferença entre os movimentos de ambas as fases fosse muito subtil - coisa que era fundamental para o twist.

Em Portugal, contamos com um chefe Maquinista fora de serie: o enorme Carlos Santos com o José Loureiro a assistir, com ele consegui fazer travellings de acompanhamento sem ter que corrigir panoramica - é esse o nivel de precisão e conexão que tem com os actores! No fim da rodagem em portugal disse-me que foi o filme em que fez mais metragem de calhas da sua carreira - e começou a carreira em 1987!!


- Que câmara usaste e que objetivas. De que empresa?


Usei uma Alexa Mini com as Cooke s4 - Em portugal alugamos tudo na Planar. Quando fomos para Angola levamos as S4 e alugamos o corpo à geração 80.


- Qual foi a tua equipa de imagem, eletricidade e maquinaria?

1º Assistente de imagem: Vasco Saltão

2º Assistente de imagem: Helena Marina

Video assist : Carolina Abreu

1º Assistente de imagem Angola: Selma Lopes

2º Assistente de imagem Angola: Kamy Lara


Chefe Electricista : Luiz Paulo Rodriguez (Xein)

Assistente Electricista: Ivo Mendes

Assistente Electricista: Inês Alegre

Assistente Electricista: Pedro Teixeira


Chefe Maquinista : Carlos Santos

Assistente Maquinista: José Loureiro



- Explica como iluminaste a floresta à noite. Está muito bem conseguido.


Muito obrigado! A paixão e a dedicação que o Xein tem pelo seu trabalho contribuiu em muito para conseguir chegar aos desenhos de luz mais ambiciosos que imaginei e planeei.

Neste filme apostei em aperfeiçoar a forma de comunicar as minhas intenções quer com o Carlos, quer com o Xein (chefe electricista), experimentei desenhos, aguarelas virtuais no Ipad e até renders de 3D para testar e reflectir de uma forma mais concreta sobre o que tinha idealizado.

Estrada à noite em Angola, quando a personagem da Leonor Silveira foge num carro que passa.
Ensaio de fumo para a cena do cemitério
Igreja modernista no Lubango em Angola
Plano do filme

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