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Sobreviver à dor


Às vezes usávamos elementos de desfoque em primeiro plano para submergir os personagens

Nunca Nada Aconteceu, longa-metragem de Gonçalo Galvão Teles, fotografado pelo nosso associado João Ribeiro aip

Três jovens estão em cima de um viaduto, numa noite ventosa, carros passam por baixo. O pacto trágico que os une dá-lhes a coragem necessária para cair para a sua morte, deixando a família num caminho de desespero, decadência e remorsos, onde todos fingem que nunca nada aconteceu. Inspirado em factos reais, o filme junta os trágicos acontecimentos de 1996, onde três jovens se suicidaram num viaduto de Lisboa, com a crise económica, social e humana de 2011, ano em que decorre a ação.


O quadro como elemento compressor, a arquitectura a enquadrar

Para contar esta história dramática, o realizador Gonçalo Galvão Teles juntou-se com o nosso associado João Ribeiro. “Há muitos anos que o Gonçalo tinha tido o desejo que eu trabalhasse com ele, convidando-me para fazermos uma curta. Por motivos de falta de disponibilidade não foi possível. Nesta sua primeira longa metragem o convite voltou e aceitei com todo o gosto.” A partir daí tudo correu de uma forma muito natural e simples. “Ele conhece o meu trabalho, e encontramo-nos na cabeça um do outro de forma muito natural. Conheço o Gonçalo há muitos anos. Ele mostrou-me exemplos, (até de exercícios de alunos da Lusófona onde leciona), levámos filmes um ao outro, referencias... Um processo normal, mas neste caso mais rápido e assertivo. Reunimo-nos muitas vezes, pré ‘decopamos’ algumas cenas.”


A sala e décor principal do filme onde o Artur Pinheiro recriou mais o espaço a cor das paredes foi muito discutida. O ext é um chroma

Um dos aspectos em que Gonçalo mais insistiu foi no trabalho da câmara e no formato (2:35:1), onde o realizador pretendia uma espécie de compressão ou força gravitacional que se abate sobre os personagens e decores. “As relações de espaço entre câmara/ator tornam-se diferentes, e isso fez-nos avançar para as caras, e não recuar no espaço para o ver (de)mais, o que me agradou muito. A opção foi trabalhar com câmara à mão ou Easy-Rig, operada por Daniel Ferreira (ex aluno de Gonçalo e que depois deste filme começou a colaborar regularmente na equipa de imagem de João Ribeiro). “Muitas da opções tomadas na construção dos planos não seriam as que tomaria de forma intuitiva.”, confessa João Ribeiro. “O Gonçalo queria sentir a tenção no enquadramento, em que a câmara transmitia essa tensão....eu sou também muito da luz, ...de a "luz falar" essa tensão. Ele puxou-me muito para isso, o que foi muito bom, pois fui colocado num território menos confortável, algo que adoro. O "desconforto" de novos desafios nas rodagens, coloca-me sempre num território que gosto muito e reverte no sentido criativo.”



Também houve uma colaboração muito próxima com o diretor de arte Artur Pinheiro. Segundo João Ribeiro, ele prepara muito e propõe muito ao nível espacial e, claro, cromático. “É raro ele propor algo que eu pense que não faz parte do mundo do filme. Falámos de que forma resultaria a cor da casa dos protagonistas, onde se passa grande parte da ação.” O décor menos confortável para o diretor de fotografia foi o centro comercial e a loja. “O espaço e a luz jogavam de uma forma mais realista, coisa que eu normalmente não gosto e me sinto verdadeiramente perdido, quando o espaço se vê todo, quando os personagens não têm sombras, quando há muita difusão e por questões de verosimilhança tu reforças o espaço e não o recrias e o levas para outra realidade... No entanto, este espaço acaba, como é óbvio, de valorizar mais os outros decores, onde o espaço e a luz eram muito mais trabalhados. O Gonçalo no dossier de imprensa escreveu algo que me comoveu: ‘A fotografia do João Ribeiro, capaz de descobrir luz onde não havia senão escuridão e de encontrar sombras que escapam a qualquer construção humana.’, acho que está tudo dito e da forma mais simples.”


Havia sempre alguma parte do espaço que eu tentava que nunca fosse visível.

Ao nível de equipamento usaram uma Alexa Mini e objectivas Zeiss Standard 2.1, sem nada de especial. A equipa é aquela que João trabalha habitualmente: Rodrigo Dray como chefe iluminador, Manuel Ramos na maquinaria, a dupla Ricardo Simões (1º assistente) e Ricardo Lameiras (2º assistente/DIT), bem como o já mencionado Daniel Ferreira no Easy-Rig. O Paulo Américo fez o grading e, como sempre, trouxe ao filme algo que ele ainda não tinha. “Ele, o Gonçalo e eu, experimentámos, discutimos e chegamos ao resultado final, muito melhor ou muito mais rico ainda. O Paulo é muito bom a compreender e a descodificar aquilo que queremos e que é muitas vezes difícil explicar durante a pós-produção. Juntamente com o (Ricardo) Lameiras fizemos grabs, método que faço à muitos anos como guia para mim, para o realizador, para a arte, etc... Vamos fazendo o álbum do filme e vemos a estrada que estamos a percorrer juntos.”


O mundo já está ao contrário...um efeito pin-holle natural e encontrado pelo Gonçalo quando começou a descobrir decores no plano só o obturei mais para ganhar definição .

A rodagem decorreu no verão de 2019, durante 7 semanas e um dia extra feito pelo Pedro Cardeira, a quem João agradece, especialmente pela “cena de carro com o pai/filho, Rui Morrison/Filipe Duarte, porque era essencial para a passagem do mundo rural para o mundo urbano, com a cidade reflectida nos vidros e fazer um subjetivo num grande plano do Rui Morrison.”



A imagem anterior é a passagem dos 3 amigos para o seu local de encontro, para o seu mundo.

A estreia do filme foi atrasada devido à pandemia, estando marcada para dia 29 de setembro. Entretanto, com este adiamento, desapareceu um dos protagonistas, o nosso querido Filipe Duarte, vítima de doença súbita. João Ribeiro recorda: “Não conhecia o Pipo pessoalmente. A primeira conversa foi uma pergunta que lhe fiz numa prova de guarda roupa: "Onde compraste essas botas para andares de mota?". Na rodagem, encontrei uma pessoa que descobria com o realizador e comigo mais, mais e mais, e depois ainda mais. Não o melhor, mas o certo. Recordo que num ou noutro plano, apertámos as nossas mãos para dar força um ao outro, em momentos que não se repetem.... Efetivamente nunca mais acontecerão. No fim do filme falámos em viajar juntos de mota... “

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