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Rui Poças com dois filmes em Cannes


Marcando presença no festival de Cannes deste ano com os filmes ALMA VIVA e FOGO-FÁTUO, o nosso associado Rui Poças fala-nos um pouco dos seus filmes.


AIP - A presença do teu trabalho no Festival de Cannes não é uma estreia, mas este ano existem dois filmes de que fizeste a fotografia que foram selecionados. Esta dupla entrada é ainda resultado da pandemia que atravessamos nos anos recentes?


Rui Poças - Curiosamente trata-se de dois filmes rodados em 2021 cuja rodagem tinha sido adiada em 2020. Realmente o calendário da maior parte de nós sofreu alterações consideráveis nos últimos dois anos e esperamos que agora as coisas se recomponham. Terem sido rodados no mesmo ano e ambos selecionados para o festival foi uma coincidência, mas não deixa de refletir essa espécie de engarrafamento de produções a que assistimos e que a par da grande solicitação para séries de ficção e publicidade têm mantido em alta a actividade no nosso meio.


AIP - Uma vez que colaboraste criativamente nos dois filmes, apontarias pontos em comum que eles tenham?


Rui Poças - Nem por isso. São filmes absolutamente diferentes no que respeita à historia e à forma. E tiveram abordagens de rodagem diferenciadas. ALMA VIVA conta a história de uma menina que vem todos os anos de França passar as férias de Verão com a sua avó. É um filme intimista que aborda as relações da população rural com as crenças populares e o relacionamento entre os elementos da povoação onde decorre a história. A personagem principal é uma menina de 8 anos e grande parte dos actores são não-profissionais, pessoas recrutadas na própria aldeia onde filmamos. Tentei encontrar uma linguagem que servisse a narrativa e colocasse o espectador de forma envolvida e próxima dos acontecimentos, não só através da câmara mas também com a criação de ambientes de grande intimidade através da luz. Uma outra necessidade que tive de encarar nessa rodagem foi a de adequar os meios e a metodologia de trabalho ao facto de trabalhar com a população local, pouca habituada aos meios tecnológicos e aos tempos do cinema. Tratava-se de não deixar escapar uma certa frescura nas suas interpretações e de deixar essas pessoas à-vontade no meio que elas conhecem. Afinal de contas estávamos a filmar na sua aldeia, nas suas casas. Mesmo que se tratasse de ficção havia que tornar a nossa presença o mais leve e simples possível. O mesmo e mais ainda se aplicava à actriz principal. Por ela, grande parte das cenas nocturnas foram filmadas em horário diurno e houve o cuidado em reduzir a sua permanência em plateau bem como o de diminuir ao máximo a quantidade de takes filmadas. Foi por isso importante criar um ambiente de familiaridade e leveza na forma de trabalhar.

Fogo-fátuo

AIP - Nesse filme trabalhaste com uma equipa pequena?


Rui Poças - Não era uma equipa grande. Mas sobretudo tivemos que nos mexer em espaços muitíssimo reduzidos. O método nesses casos é muito importante: depois de trabalhar a direção de arte, entra no plateau a equipa de maquinaria e depois a de iluminação. A câmara só entra mesmo no final porque não há espaço para todos, o que obriga a que cada decisão seja bastante acertada. Trabalhar em espaços pequenos é muito cansativo e moroso. É indispensável ter uma equipa muito concentrada e ágil.

Em FOGO-FÁTUO trabalhamos com uma equipa da mesma dimensão. Tivemos a mesma questão com alguns espaços interiores. E com outros, pelo contrario, espaços de grandes dimensões, foi possível encara-los com uma equipa aparentemente reduzida porque a abordagem estética do filme não se apoiava em grandes meios. O filme é uma comédia musical que decorre no futuro e no passado recente em Portugal. Tem cenas cantadas e dançadas, corporações de bombeiros, crianças, monólogos, animais e momentos de nudez frontal. É um filme bastante variado nos materiais que filmamos e que por se basear em abordagens diferentes de cena para cena me colocou a questão da criação de um estilo que o unificasse e caracterizasse. Uma das decisões que tomei nesse sentido foi a de manter uma certa transparência nos planos que não condicionasse o espectador. Isto é, que quem visse o filme se sentisse livre de vaguear o olhar no interior de cada imagem e procurar ou descobrir o que quisesse. Para isso escolhi na maior parte dos casos distancias focais curtas e uma constante grande profundidade de campo. Trabalhei muito com diafragmas altos (f11; f16…). É claro que os primeiros-assistentes de câmara (Nuno Ferreira e Lisa Persson) reclamaram o tempo todo! Não é habitual trabalhar hoje em dia dessa forma. A reduzida profundidade de campo, que é uma forma de obrigar o espectador a olhar para porções específicas do enquadramento, continua a ser moda na maior parte das produções audiovisuais, e especificamente na ficção. FOGO-FÁTUO é uma longa que foi filmada em menos de duas semanas, coisa também pouco habitual.


Alma Viva

AIP - Do teu ponto de vista, a presença de filmes de que assinas a fotografia em festivais como o de Cannes termina por se refletir em algo concreto? Há consequências práticas com essa experiência?


Rui Poças - Acho que só temos a ganhar quando os filmes em que trabalhamos são vistos, seja onde for. Foi para serem vistos que eles foram feitos. Em festivais como o de Cannes não há uma atenção especifica à fotografia, ao contrario de alguns outros. Mas é claro que é estimulante a experiência de ver o teu trabalho lado a lado com o de outros colegas, não só de outros países ou formas de filmar, mas também de outros modelos de produção. É nestes momentos que observamos a diferença que pode fazer ter acesso a meios de produção maiores, por exemplo. A sensação que tenho nas nossas produções nacionais é a de que trabalhamos muitas vezes aquém das condições que consideramos que seriam adequadas para os filmes que se fazem. E quando os filmes são colocados em seleções como o casos destas (Quinzaine das Realisateurs e Semaine de la Critique), sentimos a satisfação de verificar que o que foi avaliado foram as ideias e o resultado, e não exactamente como lá se chegou. Tantas vezes fica o conhecimento dessa ironia, como se fosse um segredo, apenas na memória das equipas que viveram a experiência da feitura do filme! Nesses casos o sabor da constatação é de um silencioso agri-doce, comemorado se possível champanhe. Nessas alturas lembro-me muito das minhas equipas.




Rui Poças esteve em destaque na revista IndieWire exatamente com estes dois títulos, fazendo parte de um artigo que se focou nos diretores de fotografia que assinaram obras de filmes em competição no festival de Cannes.

Encontra aqui os artigos sobre ALMA VIVA e sobre FOGO-FÁTUO

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