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A memória está repleta de fantasmas

“Iluminar consiste não em distinguir formas e visões luminosas, mas em tornar a escuridão visível”

Carl Jung (O Livro Vermelho, 1914-1930)


Objetos de Luz, de Acácio de Almeida e Marie Carré, é um filme que nos transporta para a luz inicial da criação da vida, para o espaço interior do ser humano e para o Cosmos, para as partículas que formam a matéria de que o ser humano é composto. “O que somos nós em relação à luz?” ou “Qual é o elo que nos liga a ela?” são exemplo das muitas questões de caracter filosófico e metafísico sobre o que está para além do visível e da existência que o narrador (Acácio de Almeida) nos coloca em off.


Esta obra conta uma história da imagem-luz desde os nossos ancestrais que há milhões de anos fizeram as primeiras tentativas de produzir a ilusão de movimento nas pinturas rupestres até aos primórdios do cinema mudo. O filme apela à trucagem cinematográfica de Georges Méliès, sem que isso o torne naif, antes autêntico, tão depressa nos ensina a composição da luz como, de repente, entramos numa viagem do tempo no cinema português, numa fantasia de sonhos e memórias. E não é isto o cinema, essa viagem no espaço e no tempo onde as imagens e os sons estão aprisionadas à espera de que alguém os descubra?


Em Objetos de Luz o som é um elemento primordial. Lembramos, por exemplo, o momento em que prateleiras de arquivo representam um comboio voador que transporta os objetos de luz e a mala das magias (mala de Acácio de Almeida onde guardava os seus filtros para fazer as "magias”, entrevista a Acácio de Almeida por Raquel Rato, 2011) viajando num céu azul, etiquetados, como corpos mortos que flutuam no ar ao som do apito do comboio que atravessa o ecrã do filme Trás-os-Montes, de António Reis e Margarida Cordeiro. Acácio de Almeida e Marie Carré, mostram como a memória está repleta de fantasmas, evocados por um nome, um objeto, um plano, uma paisagem, um desenho, e outros tão somente pela presença do grande plano do rostro de uma atriz. Sim, estes estão vivos e pertencem a um passado que só existe impresso na película que o aprisionou, tal como o pintor retém a luz e a cor na sua tela.


Este é um filme de impressões que nos revelam sentimentos da alma e do coração, de dois seres que se unem, de afetos que não se proclamam, antes sentem-se e tocam-se. Objetos de Luz, de Acácio de Almeida e Marie Carré, é, sem dúvida, uma experiência cinematográfica bressoniana no sentido que “montar um filme é ligar as pessoas umas às outras e aos objetos através dos olhares”. Impossível não afirmar que se trata dum objeto autobiográfico. Nele reconhecemos alguém que trabalhou sempre o cinema como um amateur, que o ama e rega-o todos os dias como se rega a árvore da vida, o mesmo alguém que deu vida a estrelas que não existem, que criou a ilusão duma fechadura num recorte em cartão preto, e através desta pequena fenda de luz nos permite olhar o passado e o presente a fundirem-se como se fossem uma tempestade “de mares nunca antes navegados”.


Raquel Paulo Rato




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