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A fragilidade da luz tem a ver com o estado do próprio personagem


Cartaz do filme e também de promoção da sessão especial promovida pela Universidade Lusófona e a aip numa conversa com Pedro Marquéz.

«A Viagem de Pedro» é um filme luso brasileiro. Apesar do personagem ser uma figura histórica comum a Portugal e ao Brasil o filme aborda de forma ficcionada a sua viagem no navio que o trouxe de regresso a Portugal. Veio para reclamar o trono para a sua filha. O filme tem como cenário a embarcação inglesa onde viajou o que historicamente se confirma que o fez num inglês.

Com realização de Laís Bodanzky a longa-metragem a fotografia teve a assinatura do nosso membro Pedro Márquez. Abordamos o Pedro para falarmos sobre o filme numa sessão especial que se realizou na sala de cinema Fernando Lopes na Universidade Lusófona.


AIP 1– Começava por te perguntar qual foi a razão de escolha do formato 1:1 para o filme? Não é usual este formato.


PEDRO MARQUÉZ - Achávamos que essa rigidez que traz o quadrado, os limites do enquadramento, ajudava muito a transmitir a opressão que sentia o nosso personagem principal, o qual se sente preso no espaço e no tempo. Também descobrimos que ao ter mais ar na vertical que outros formatos, era muito bom para retratar o barco, que tem muitos elementos na vertical, como os mastros, cordas e velas, e nos interiores, os tetos baixos. Mas todo isso é uma lógica que vem a posteriori, porque o formato é uma decisão muito emocional, às vezes irracional. O primeiro foi aquela vontade de imaginar o filme nessa janela, que te leva a um lugar imaginário que faz sentir a história.


O uso da câmara à mão e iluminação feita com um gingarelho de luzes de natal colados a uma superficie refletora branca.

AIP 2 – No conceção do filme e durante a preparação que abordagens tiveste com a realizadora? Discutiram como abordar o «period look»? O aspeto temporal?


PEDRO MARQUÉZ - A Laís sempre quis fazer um reinterpretação de esse período da historia, mas com uma perspetiva atualizada adaptada ao nosso tempo. Sempre procurarmos fugir da rigidez que por vezes impõe um filme de época. Pelo que a abordagem estética também tem essa intenção. Usamos um formato quadrado, que remete ao passado, mas filmamos 80% com câmara na mão muito perto dos personagens, o que já é mais moderno. Fizemos uma reconstrução de época em estúdio do barco, mas todos os decores estão fechados com tetos e não tem paredes falsas, pelo que quando entra tem-se a sensação real do que era esse espaço e que ajuda muito aos atores, mas também a câmara a se posicionar em ângulos mais “realistas”. A Laís gosta muito de improvisar no set, pelo que na hora de filmar, muitos dos takes que fazíamos, duravam até acabar o cartão (uns 15min), com muitos personagens ao mesmo tempo que improvisavam e eu com muita liberdade também para tomar decisões de câmara durante esse tempo todo. Por vezes sentia que estava a fazer um documentário, pelo que eu brincava com a Laís que a gente estava a filmar um “documentário de época”.



Dois exemplos de interior dia no barco.

AIP 3 – Como fizeste a iluminação no interior do barco, usaste apenas as lanternas? Nota-se que há um luz frágil, mas está lá azul o que usaste? Nesses planos predominantemente?


PEDRO MARQUÉZ - Gosto da expressão luz frágil, é uma boa definição do que estávamos à procura. A fragilidade da luz tem a ver com o estado do próprio personagem, cheio de dúvidas e muito fragilizado. É uma abordagem da luz de inspiração expressionista, no sentido que não procuramos a descrição do que acontece, mas deformar a realidade para provocar uma dúvida sobre o que esta a acontecendo através do sensorial. É real? É um sonho? Um pesadelo? Nesse delírio, a luz tem que insinuar mais que mostrar.


Tecnicamente, nas sequências com velas, usamos velas de pavio duplo, como luz principal, mas tínhamos criado uma luz base com uma serie de esferovites de vários tamanhos, com luzes de Natal (de filamento) coladas, e passadas por um dimmer, que faziam uma luz base, muito frágil, como bem falaste, mas que ajudava a moldar os corpos e os objetos. Era uma luz que não sentes a direção, parece que não vem de lugar nenhum.


Enquanto a luz da lua, e na escuridão do filme como um todo, fui muito animado pela Lais para ir até ao limite. O que consideramos escuro, o não o suficiente, é um debate muito subjetivo, pelo que contar com a coragem da diretora para ir nessa procura é fundamental. Chegou a ponto em donde por vezes éramos a colorista, Luísa Cavanagh, e eu que parecíamos os mais conservadores com isso, o que é inusitado. A Luísa é uma das melhores coloristas de América do Sul e muito provavelmente, do resto do mundo também, que faz que a fotografia do filme tenha uma profundidade que nem conhecia que existia.


O ginfarelho com luzes de natal que serviram para iluminar os rostos dos atores ou simplesmente colocado no teto para abrir um pouco a ambiência de luz no decor.

AIP 4 - Continuando com a questão das velas, na sequência do Miguel no trono, a imagem tem algum efeito nos laterais que faz que as velas se deformem. Podes nos falar de isso?


PEDRO MARQUÉZ - Isso é um efeito de onda, levemente aplicado nos laterais da imagem, feito na pós-produção. É uma herança de todas as ideias que tínhamos durante a pré-produção para experimentar com a imagem. Durante algum tempo tivemos a ideia em fazer um telecine artesanal e filmar o corte final em película. Outra era tentar projetar o filme em espelhos e ou em outras superfícies para deformar a imagem para os momentos de delírio. Um delírio dentro do delírio que acabou chocando com a realidade do orçamento.



Câmara à mão e com o capacete de proteção dado ao exímio espaço em altura. O cenário do barco foi construido com as mesmas dimensões do barco real. Foi feito com intencionalidade para facilitar um maior realismo à imagem como à atuação dos atores.
Depois do primeiro dia de filmagens com tripé, foi decidido adotar camara à mão.

AIP 5Quais foram as referências com que trabalhaste na preparação da estética do filme?


PEDRO MARQUÉZ - Como o nosso filme era muito sensorial e tinha a ver muito com a sensação de estar encerrado num barco numa grande viagem. Eu precisava viver essa experiência para poder depois recriar na ficção. Porque é assim que eu gosto de trabalhar, desde um estudo naturalista da paisagem, de onde experimento a realidade, para depois modificar e moldar dependendo do que interessa narrativamente. Então tive a grande sorte que as filmagens começaram numa viagem de barco, para filmar as sequencias do exterior dia no convés, durante 10 dias entre Salvador de Bahia e Rio de Janeiro. Esse foi um grande aprendizagem, imprescindível para depois recriar isso que eu tinha vivido. Sobretudo enquanto a sensação de movimento e a iluminação dos interiores. O que mais me surpreendeu é precisamente a escuridão dos interiores durante o dia, já que os barcos têm poucas janelas e as que existem são muito pequenas.


Para a iluminação de velas, a pintura foi uma grande referencia, especialmente os quadros que Rembrandt. Além de um outro pintor que adoro, Peder Severin Kroyer, que tem um uso da luz de dia em interiores muito especial, e que foi uma grande referencia para iluminar os interiores dia.


AIP 6 - Que câmara e objetivas foram usadas?

PEDRO MARQUÉZ - Alexa Mini com objetivas Cooke Speed Panchro S2/S3.


AIP 7 – Onde filmaram? E que cenários? Vemos o palácio de Queluz, os Açores mas o barco em si onde filmaram?


PEDRO MARQUÉZ - A maior parte das filmagens aconteceram no Brasil em donde filmamos na cidade do Rio de Janeiro, e no interior do Estado, donde transformamos uma fazenda no Palácio da Família Real. Em São Paulo filmamos num estúdio todos os interiores do barco. As sequências no convés do barco, foram filmadas na fragata do exército brasileiro Cisne Branco, durante a viagem entre Salvador de Bahia e o Rio de Janeiro. As sequências da tempestade, foram filmadas também na fragata, mas já ancorada no porto de Niteroi, donde podíamos aproximar as gruas com a iluminação e a chuva, junto com um enorme escorrega que fazia o efeito da grande onda que cai no convés durante a tempestade.


Em Portugal, filmamos em Queluz nos exteriores do Palácio, e no palácio de Ajuda, a sala do trono. No Faial filmamos a chegada de Dom Pedro a Portugal. Ele fez mesmo uma paragem nos Açores, quando voltou do Brasil. Foi lindo que os últimos dias do filme, foram esses da chegada, que são os últimos planos do filme. De facto, o último take que filmamos, com Dom Pedro e Dona Amélia caminhando na montanha, e o último plano do filme, que acaba com um fundido a preto que fizemos mesmo na câmara, e que eu adoro.

Duas imagens do filme interior dia no barco

Pintura como referência do pintor dinamarquês Peter Severin Kroyer«Interior of a Tavern» 1886
Outra referência de um quadro de Rembrandt para os interiores noite com fonte de luz de velas.

AIP 8 – Como filmaste as cenas do barco sendo que foi necessário dar o desequilíbrio das ondas do mar como fizeste?


PEDRO MARQUÉZ - Foi uma combinação de várias técnicas. Os exteriores no convés foram filmadas na fragata real navegando, sem qualquer apoio de iluminação, só luz natural e câmara na mão. Os interiores, foram filmados em estúdio, tínhamos uma traquitana com um sistema de cordas elásticas em donde o cenário ficava suspenso e podia se mexer à vontade, num movimento pendular. Isso foi fundamental para trazer verosimilitude ao movimento dos atores e da câmara. Mas o equipa acabava mais enjoado que no barco real.


Tínhamos outros decores, que pelo tamanho não dava para colocar na traquitana, e então tínhamos uma combinação de movimentos da câmara, atores, objetos (mexidos com fio de nylon) e movimento de luzes. Tudo isso, junto ao facto de que quisemos reproduzir a altura dos tetos reais da época, e sem opção de mexer paredes, obrigava-me a filmar com um capacete, para me proteger dos golpes que eu dava com a cabeça nas colunas que atravessavam o teto. O glamour do cinema.



Duas imagens do filme onde a vela é a fonte principal de luz.

AIP 9 – Antes das filmagens fizeste alguns testes e ensaios no interior do barco, sabemos como é difícil filmar no interior de um barco, foi mesmo no barco e no mar?


PEDRO MARQUÉZ - Como já expliquei atrás, a minha sorte é que começamos filmando numa fragata real. Esse foi o primeiro dia de filmagem, e de testes ao mesmo tempo, porque esse dia começamos filmando em tripé e depois de assistir no fim do dia as imagens, repararmos que si filmávamos no tripé o fundo se mexia de um jeito muito artificial, parecia um fundo falso que nos estávamos a mexer. Descobrimos que precisávamos de sentir o movimento do mar na câmara também, pelo que nunca se montou as imagens do primeiro dia de filmagem, e a partir de esse dia o barco foi sempre filmado câmara na mão.


AIP 10 - Como foi a experiência de filmar uma co-produção luso-brasileira. Como se misturaram os equipas de filmagem?

Foi uma experiência maravilhosa que acho que se transmite no filme. A maioria das filmagens foram no Brasil, com equipa brasileiro, e parte de elenco português, entre outras muitas nacionalidades. Pelo que depois desse longo e duro período de filmagem, tínhamos que viajar logo para Portugal para acabar o filme. Do Brasil viajo um equipa reduzida, mas quero muito destacar o cuidado, a sensibilidade, e o carinho com que fomos recebidos pela equipa portuguesa da co-produtora portuguesa, O Som e A Fúria. Para nós, que vínhamos com o cansaço acumulado de semanas tão intensas no Brasil, foi tão bom nos encontrar com um equipa que se adaptou ao filme rapidamente, e com uma empatia e profissionalismo que fez de essas dias que filmamos aqui uma delícia, e pelo que só tenho que agradecer.






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