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A condição da Mulher nos Sectores do Cinema e do Audiovisual





O Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC) o Laboratory for Audiovisual Communication Studies (LACS) da Universidade Católica Portuguesa levaram a cabo um inquérito junto dos profissionais de cinema com o objetivo de compreender melhor qual o enquadramento laboral em que se encontram as mulheres no setor audiovisual. O inquérito teve a responsabilidade de Tânia Correia do Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP-UCP). O inquérito foi feito por email em novembro de 2022 e uma segunda vez em fevereiro de 2023.


Não havendo ainda uma análise aos resultados do inquérito fica no entanto patente que as mulheres ocupam menos cargos de chefia e com isso a sua carga salarial é menor relativamente aos homens no setor.

Em baixo descrevem-se os resultados desse inquérito.


A condição da Mulher nos Sectores do Cinema e do Audiovisual

Com o objetivo de compreender a condição da mulher nos sectores do cinema e do audiovisual em Portugal, foi aplicado um inquérito por questionário online (com recurso ao software Qualtrics) aos/às trabalhadores/as destas áreas de atividade, sem discriminação de género. A distribuição do inquérito foi feita, em duas vagas, entre o dia 7 de novembro de 2022 e o dia 31 de janeiro de 2023, através de e-mails diretos para os contactos das empresas e associações dos sectores incluídos no diretório disponibilizado pelo Instituto do Cinema e do Audiovisual (ICA), seguido de follow-ups personalizados através de uma rede de contactos alargada. A identificação do real universo de trabalhadores é impossível de apurar, fruto da pulverização de atividades profissionais associadas, assim como da multiplicidade de vínculos, nomeadamente em regime de recibos verdes e contratos de prestação de serviços, pelo que não é possível afirmar se a amostra é ou não é representativa. Não obstante, os dados apurados são muito relevantes e a sua análise permite-nos ir para lá do senso-comum sobre a condição da mulher nos sectores do cinema e do audiovisual.


O inquérito foi respondido por uma amostra de 515, sendo 363 mulheres, 143 homens e 9 preferiram não responder ou não se identificam com estes géneros (1). A média de idades dos/das respondentes é de 38 anos; 92.4% são de origem Portuguesa e 7.6% de outras origens, predominando a brasileira e/ou dupla nacionalidade Portugal-Brasil (4.7%), seguida da espanhola (0.4%) e uma pulverização de outras nacionalidades como alemã, francesa, italiana, venezuelana ou americana. A zona de residência mais frequente é a área metropolitana de Lisboa (71%), seguida pelo Norte e pelo Centro. O Alentejo, o Algarve e as Regiões Autónomas têm uma representatividade muito baixa, oscilando entre os 0.4% e os 1.2%. Não havendo dados sobre o perfil do universo, esta caracterização da amostra não pode ser extrapolada como representativa da realidade dos trabalhos dos setores do cinema e do audiovisual.


Dividido em onze (11) secções, o inquérito procura mapear os tipos de formação, de profissão/ocupação, vínculos, remuneração, participação em outras atividades (concursos, por exemplo), a relação com a maternidade/paternidade, a satisfação no desempenho da atividade, os níveis de stresse e ansiedade a que estão expostos no desempenho da atividade profissional, as diferentes perceções e vivências da sua condição no ambiente de trabalho e, por fim, os entendimentos sobre as representações de identidades nos conteúdos cinematográficos e audiovisuais nacionais.


O presente relatório apresenta resultados preliminares de alguns dos indicadores em análise, sob a forma de “grandes tendências”, nomeadamente, sobre o vínculo contratual, a remuneração, a condição perante a maternidade/paternidade, sobre o grau de satisfação no desempenho da atividade, sobre os níveis de stresse/ansiedade sentidos, sobre as perceções/vivências no local de trabalho e, por fim, sobre as representações identitárias nos conteúdos nacionais de cinema e audiovisual.


Vínculo

Os resultados indiciam níveis elevados de precariedade, corroborados por vários estudos realizados nos últimos anos sobre a situação perante o trabalho dos profissionais ligados às atividades culturais e criativas. Se é verdade que 22.3% dos indivíduos têm contrato de trabalho sem termo, 39.8% trabalham com recibos verdes sem contrato, seguindo-se os contratos de trabalho a termo certo (8.9%), contratos de prestação de serviços (7.0%) e trabalho incerto/flutuante (6.6%), sem qualquer vínculo definido com as empresas. Quando analisado por género, esta hierarquia mantém-se.


Remuneração

Em termos remuneratórios, a maioria dos/as respondentes (39%) indicou auferir no último ano (sem descontos) um valor que oscila entre os 5000€ e os 14.999€ - o segundo escalão mais baixo, seguindo-se, com 19.6%, os indivíduos que afirmam terem recebido um valor igual ou superior a 25.000€ (o escalão mais alto); 15.8% auferiram de 15.000€ a 19.999€, 14.3% até 4.999€ e, 11.3% dos respondentes afirmam terem auferido, anualmente, 20.000€ a 24.999€.


Numa divisão por género, 42.8% das mulheres que responderam situam-se dentro do escalão remuneratório mais expressivo para a totalidade da amostra (o segundo mais baixo), seguindo-se, com 16.1%, a remuneração de até 4.000€ (o escalão mais baixo) e a remuneração entre 15.000€ e 19.999€ (o escalão intermédio) e, com 14.7%, encontramos um conjunto de mulheres no escalão mais elevado (25.000€ ou mais). Já no que respeita aos homens respondentes, a maior percentagem afirmou auferir 25.000€ ou mais (31.5%) e a percentagem menos expressiva (9.1%) situou-se no escalão remuneratório mais baixo. Considerando a média anual de rendimentos nos últimos cinco anos, a maioria das mulheres que respondeu a esta questão indicou situar-se nos dois escalões mais baixos (59.2%), contra 22.3% de mulheres a indicar que auferiu, em média, mais de 20.000€ anuais nos últimos cinco anos. Quanto aos respondentes do género masculino, a distribuição foi inversa, com 40.8% a indicaram situar-se nos dois escalões mais baixos e 59.2% nos três escalões mais altos. Neste sentido, e de acordo com a nossa amostra, podemos afirmar que há uma maior proporção de homens do que mulheres a beneficiar dos salários mais elevados e mais mulheres do que homens situados nos escalões remuneratórios mais baixos.


Por outro lado, embora a maioria dos inquiridos tenha indicado ganhar mais hoje do que quando começou a trabalhar na área, essa situação é particularmente acentuada nos homens (72,7%), o que se verifica de forma menos expressiva nas mulheres respondentes (54%). Entre outros possíveis factores que possam dar conta desta variação, destaca-se a elevada percentagem de homens que afirmam terem começado a trabalhar na área ainda antes da conclusão da sua formação (54,2%), tendência que, no caso das mulheres (41,9%), é inversa, ou seja, a maioria das respondentes de género feminino indica ter começado a trabalhar na área após a conclusão do curso.


Maternidade/Paternidade

A maioria dos/as respondentes não tem filhos (65.4%). Para os 34.6% que afirmam ter filhos, a média de idades da maternidade/paternidade situa-se nos 32 anos e 77,8% daqueles que têm filhos a cargo dizem que “por vezes” e “frequentemente” sentem limitações no exercício das suas atividades profissionais pelo facto de serem mães/pais. Por género, são mais as mulheres do que os homens que se confrontam com tais constrangimentos. Quando questionados/as sobre a necessidade de desistir/abdicar de trabalho por causa da maternidade/paternidade, 51.9% (n=82) respondem afirmativamente, com mais mulheres a sentirem esse imperativo (60.2% do total de mulheres) do que homens (39% do total de homens).


Grau de satisfação com a atividade profissional e com os sectores

52.6% dos indivíduos que responderam a esta questão consideram estar “satisfeitos” com a sua atividade profissional atual, seguindo-se uma percentagem de 21.1 que se manifesta “insatisfeito”. Quanto às perspetivas de evolução na carreira, a maioria encontra-se “insatisfeita”, com as mulheres a manifestarem de forma mais acentuada do que os homens esse desagrado e o mesmo acontece com o grau de satisfação em relação à situação financeira pessoal: 67.4% das mulheres estão “insatisfeitas” ou “muito insatisfeitas”. O grau de satisfação e insatisfação com a conciliação da vida profissional com a pessoal é muito semelhante, com 50.6% dos indivíduos a dizerem que estão “insatisfeitos” e “muito insatisfeitos” e 49.4% a indicarem estar “satisfeitos” e “muito satisfeitos” com esta articulação. Por género, também não se identificam diferenças assinaláveis. Numa pergunta sobre o grau de satisfação com o momento atual dos sectores de atividade, 31.8% referiu sentir-se “satisfeito” ou “muito satisfeito”, enquanto 68.2% referiu sentir-se “insatisfeito” e “muito insatisfeito”


Grau de stresse/ansiedade no desempenho de funções

Quando questionados sobre a capacidade para lidar com o stresse/ansiedade no desempenho das funções, a maioria (47.7%) afirmou sentir-se habilitado, contudo, a indefinição em relação à existência de trabalho no mês seguinte fez com que 66.3% dos indivíduos afirmassem que era uma causa de stresse e de ansiedade, não existindo diferenças assinaláveis em termos de género. 19.6% dos/as respondentes indicaram “concordar” ou “concordar totalmente” com o facto de a discriminação no local de trabalho ser uma fonte de stresse/ansiedade, com uma maior proporção de mulheres do que homens a sentirem esse efeito.


Perceções/Vivências

Confrontados com um conjunto de afirmações, solicitámos aos/às respondentes que assinalassem aquelas que espelhavam a sua experiência e/ou a sua perceção sobre os sectores. As respostas dadas permitem criar três dimensões de análise: i) o acesso a cargos de chefia e a inclusão em equipas de trabalho com base no género; ii) a perceção de situações de discriminação com base no género, na idade e na raça/etnia e iii) as vivências/experiência de situações de discriminação com base no género, na idade e na raça/etnia. Das 15 afirmações dadas, a afirmação mais vezes escolhida pelos 486 indivíduos que responderam a esta questão foi “a maioria dos cargos de chefia é ocupado por homens” (66.3%), seguindo-se “os homens têm mais facilidade de/maior acesso a cargos de chefia do que as mulheres” (61.5%) e “nas equipas de trabalho em que costumam estar inseridos/as, há mais homens do que mulheres” (57.4%). Logo em seguida, surgiu a afirmação “o género condiciona as oportunidades de trabalho” (55.6%). Numa divisão por género, percebe-se que tanto as mulheres como os homens assinalaram e corroboraram estas afirmações. Quanto à segunda dimensão, as situações mais assinaladas são perceções, nomeadamente, e por ordem de importância, sobre o já terem presenciado o preconceito etário (47.9%), a discriminação de género (46.9%), situações de assédio (46.7%), situações de racismo (25.1%) e situações de xenofobia (24.1%), não se verificando diferenças assinaláveis por género.


No que respeita à terceira dimensão, a experiência na primeira pessoa, 41.2% dos/das respondentes afirmaram já terem sofrido preconceito etário, 31.1% foram vítimas de discriminação de género e vítimas de assédio, seguindo-se 6.4% que afirmaram terem sido vítimas de xenofobia e 1.2%, vítimas de racismo. Numa análise por género, a única situação em que existe alguma paridade é no preconceito etário (41.6% das mulheres respondentes e 40.2% dos homens respondentes), uma vez que em relação às restantes situações, são as mulheres respondentes a assumir, de forma muito expressiva, as experiências negativas vividas na primeira pessoa: das 346 mulheres que responderam a esta pergunta, 41.6% afirmam terem sido vítimas de discriminação de género, 37.6% de assédio no local de trabalho e/ou no desempenho de funções, 7.5% de xenofobia e 1.4% de racismo.


Conteúdos cinematográficos e audiovisuais: representações e identidades

59.2% dos indivíduos que responderam a esta secção (503), “concordam” ou “concordam totalmente” que “na sua generalidade, as narrativas não espelham a realidade em termos de diversidade de identidades, orientação de género e sexual, etnia/raça”. Esta maioria de respostas repete-se nas afirmações seguintes, como a concordância em como há um recurso a construções de género estereotipadas (70.2%), a construções de etnia/raça estereotipadas (63.7%), de que o desempenho de papéis secundários é mais acentuado junto das mulheres (55.2%), que as mulheres não são protagonistas nas narrativas mais frequentemente (47.5%), de que não existe uma paridade de género nas produções (53,8%), assim como que não existe uma pluralidade de personagens de várias origens étnicas/raciais (63,8%). Por género, percebe-se que as mulheres são mais críticas na sua análise, ao apresentarem sempre percentagens mais acentuadas no “concordo totalmente” e “discordo totalmente”.


Em termos gerais, compreende-se que os/as profissionais dos sectores, em especial as mulheres, reconhecem que as narrativas produzidas e realizadas na atualidade não são plurais em termos de representações de género e étnico/raciais e, quando abordam personagens e histórias que incluem tal representação, recorrem à estereotipação. Para além disso, há um consenso em relação ao papel subalternizado da mulher no ecrã em relação ao homem nas produções nacionais.


Catarina Duff Burnay (coord.), Nelson Ribeiro, João Félix, Isadora de Ataíde Fonseca

Centro de Estudos de Comunicação e Cultura (CECC)

Laboratory for Audiovisual Communication Studies (LACS)

Universidade Católica Portuguesa

Tânia Correia

Centro de Estudos e Sondagens de Opinião (CESOP-UCP)

Março de 2023



(1) Em virtude do reduzido número de respostas (9), estes casos não foram incluídos nos cruzamentos de variáveis por não terem leitura, nem significado estatístico.

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