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Entrevista com Rui Poças aip

Entre os nossos membros o Rui Poças foi aquele que em 2017 não teve mãos a medir,

desembrulhando-se em diversos trabalhos de rodagem, estreias, a nível nacional e sobretudo a nível internacional. Transcrevemos aqui uma entrevista que foi feita há algum tempo aproveitando o facto de um dos filmes mais conceituados constar da programação do Indie Lisboa o Filme «Zama» que fotografou para a realizadora argentina Lucrecia Martel.

Os filmes de 2017 que Rui participou e que vieram a lume ao longo do ano: As Boas Maneiras, Severina, O Ornitologo, Deserto, Al Berto, Zama, Campo de Viboras, Minha Unica Terra é na Lua, Sandra Chamando, Ce que mon amour doit voir.

O ano de 2017 indica que foi muito produtivo. Como geriste tantas obras num período tão escasso de tempo?

Na nossa profissão não temos outro remédio senão nos desdobrarmos e usar o tempo da melhor forma que podemos. Cheguei a ver-me à toa, claro. 2016 e 2017 atingiram realmente picos de produtividade muito grande. Cheguei a estar a filmar em semanas de 6 dias e usar dias de folga para continuar a filmar outros projectos e fazer grading. Para além disso coincidiu 2017 ter sido um ano de muitas participações em festivais e estreias nas salas.

A américa do sul parece ser um novo destino, o Brasil em particular como se deu essa mudança?

Os convites para filmar, ultimamente com maior incidência do Brasil e Argentina, foram-se sucedendo. Apesar de eu ter interesse em filmar noutros contextos, não foi coisa que eu controlasse. Foi acontecendo. Todos os projectos têm sido bastante apelativos, o que é desde logo um bom começo. É claro que essa procura foi resultado da internacionalização dos filmes que fiz nos últimos anos.

A questão dos territórios, como tantas vezes do calendário, transcende-nos: na nossa profissão digamos que somos escolhidos, não escolhemos. Ou seja, os convites chegam e vamos aceitando conforme o nosso interesse e disponibilidade. Noutras alturas aconteceu-me de me convidarem muito de um outro país, só que sucedeu que consecutivamente não havia conciliação de calendário. Nada a fazer, porque o dom da ubiquidade não é um poder ao nosso alcance. O que quero dizer com isto é que o encadeamento de projectos num território grande parte das vezes se gere mais por oportunidades (e timings) do que por escolhas pre-determinadas. E claro, um filme leva sempre a outro e esse outro leva a outro...

Explica-nos o teu trabalho no filme «As Boas Maneiras». O conceito e a abordagem estética para o filme.

"As Boas Maneiras" representou para mim um desafio tremendo, não só porque se trata de um filme que trabalha sobre géneros estabelecidos do cinema como o Fantástico e o Musical, como ainda o faz cruzar com um tratamento fantasista e aborda temas sociais concretos e contemporâneos (estatuto social, orientação sexual, superstição). É um filme que pedia um estilo próprio e afirmativo na fotografia, para acomodar as suas pretensões narrativas e dramáticas jogando com o conhecimento que os espectadores têm dos géneros do cinema e os seus códigos. Para além disso, foi um filme em que trabalhei com muitos efeitos especiais, de diferente tipo, particularmente matte-painting, prosthetics, animação 3D com integração na imagem real, robótica, chroma-key. Foi uma experiência enriquecedora e uma oportunidade rara de trabalhar de forma tão criativa e livre num projecto complexo tecnicamente. Quando me convidaram para o filme, explicando que iria trabalhar com dois realizadores (Juliane Rojas e Marco Dutra) pensei que isso iria ser complicado. Mas não. As conversas e decisões a três tiveram sempre um alto percentil de desenvolvimento e geraram coisas belíssimas. - Talvez por isso tenham dado o meu nome a um personagem no filme que é obstetra! Eheh!

Sempre quis fazer um filme de lobisomens e este foi um presente que me deram, porque As Boas Maneiras como filme é isso e muito mais. Tomara que se possa ver por cá.

O filme Zama da Argentina parece ser aquele que está a ter mais impacto internacionalmente explica-nos essa tua experiência em Zama.

A Lucrecia Martel é uma realizadora bastante importante no contexto do cinema internacional e uma referencia maior do cinema latino. O convite para trabalhar com ela foi um privilégio e uma boa surpresa.

Zama foi inspirado na novela homónima de António di Benedetto e é um obra importante da literatura da América Latina. A acção passa-se no século XVIII. Como ponto de partida para pensar o mundo visual que havia que criar, assumimos uma rejeição de nos deixarmos guiar por convenções pre-existentes do cinema de época bem como desde a primeira hora nos negamos outros referentes visuais como pintura, gravura, etc porque não só o que existe está apoiado numa visão "europeísta" (pintura de gosto e estilo europeus, mesmo quando pintada na América do Sul) como representa inevitavelmente a visão do opressor branco, o colono, ou os visitantes das colónias com a sua interpretação exótica.

Por outro lado, havia a pretensão de usar as potencialidades sensoriais que o cinema oferece para contar uma história muito para além da palavra ou da mera representação. Havia que pensar em como poderia a fotografia ajudar na identificação do espectador com o drama do protagonista, tentando passar a sensação de uma certa angústia de um tempo que custa a passar, um tempo de que se perde o referente da sua passagem, uma certa claustrofobia ou noutras cenas sentir a mesma estranheza que o personagem sente ou simplesmente a incomodidade.

Foi uma rodagem intensa e muitas vezes em situações bastante adversas. Estou muito contente com o filme e com aquilo em que pude contribuir.

Que diferenças substanciais encontras entre Portugal e os sul americanos no exercício do trabalho do DF?

Dentro de afinidades que nos unem devido a uma cultura latina, as primeiras diferenças que encontro são na metodologia, na organização do trabalho e nas consequências que daí decorrem.

Se quiser ser simplista, diria que a forma como se trabalha nesses países é inspirada no modelo norte-americano: grande especialização nas funções e tarefas e consequente recusa na acumulação de funções ou ingerência no trabalho dos colegas. Regra geral sinto um profissionalismo seguro e um respeito pelo trabalho alheio diferente da experiência nas nossas produções. Não sinto que seja um detalhe, já que não só verifico que é algo que atravessa toda a hierarquia da equipa como facilita o relacionamento profissional, a comunicação e a performance no trabalho. Para além de salvaguardar a esfera pessoal da esfera profissional. Como nós gostamos de dizer por cá, mas nem sempre praticar: "Trabalho é Trabalho, Conhaque é Conhaque!".

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